
Síndrome anti-fosfolípide (SAF) - o que é e como tratar
RESUMO
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Doença rara e negligenciada que causa tromboses, embolias, e problemas para gestar importantes.
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Metade dos casos vem junto de outra doença autoimune, geralmente Lúpus.
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As complicações mais graves são embolia pulmonar e AVC, com risco de morte e de sequelas irreversíveis.
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O diagnóstico é baseado na soma da história do paciente, exame físico, e dosagem no sangue dos anticorpos da doença.
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O tratamento é com anticoagulação com Varfarina ou Heparina. Novos anticoagulantes (que não obrigam dosagem do TAP) são pouco eficazes e só podem ser usados em exceções.
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Se você suspeita ter a doença, veja abaixo quando suspeitar da doença (clique aqui)

Síndrome antifosfolípide - tudo sobre essa doença
Autor: Dr. Afonso G Schmidt
Atualizado em 22/09/23
Tempo leitura: 8 mins
Índice
Se você teve o diagnóstico ou algum médico sugeriu que você pudesse ter essa doença, quero tirar suas principais dúvidas aqui.
O que é essa doença autoimune rara, muitas vezes negligenciada, cujas consequências são graves e frequentemente irreversíveis?
- O que é a Síndrome Antifosfolípide (SAF)? -
Também chamada de Síndrome do anticorpo AntiFosfolípide (para facilitar, abreviamos como SAF), é uma doença autoimune que causa coagulação sanguínea excessiva, resultando em um risco aumentado de formação de coágulos sanguíneos nas veias e artérias, resultando em trombose nas pernas, embolia pulmonar, AVC, e infarto do coração. A SAF também pode causar complicações na gravidez, como aborto espontâneo, pré-eclampsia, restrição de crescimento fetal (crescimento lento do bebê na gestação) e parto prematuro.
SAF é uma doença rara que gera coágulos dentro das veias e artérias de forma súbita.
Resultado: infarto, AVC, embolia pulmonar

- A Síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença rara? -
Sim. Estima-se que os anticorpos no sangue possam ser encontrados entre 1% e 5% de toda a população, porém a doença ocorreria em menor frequência: 40 a 50 casos para cada 100.000 pessoas.
No entanto, esse número pode ser maior, visto que muitos casos de SAF não são diagnosticados devido à falta de conhecimento sobre a doença tanto pelos pacientes quanto pelos médicos.
- De onde vem a síndrome antifosfolípide (SAF)? -
A SAF é uma doença autoimune. Na SAF, o sistema imunológico produz erroneamente anticorpos que atacam certas proteínas do sangue, chamadas fosfolipídios (daí o nome da doença - anti-fosfolipídeos), essenciais para a coagulação normal do sangue. Isso pode levar à formação de coágulos sanguíneos nas veias e artérias, os quais bloqueiam a passagem do sangue de forma súbita e intensa.
Quando isso ocorre nas veias das pernas, o resultado é uma trombose venosa profunda. Quando vai ao pulmão, resulta em embolia pulmonar. Se acontece numa artéria do coração, infarto agudo do miocárdio. Se numa artéria do cérebro, acidente vascular isquêmico cerebral (AVC).
Por final, ainda podem ocorrer tromboses na placenta, durante uma gestação, visto que existem proteínas na placenta que podem ser atacadas pelos anticorpos dessa doença. Isso leva à falta de sangue à placenta, causando dificuldade para crescimento do feto e até manutenção da gestação, gerando desde prematuridade até abortos.
- Quais são os tipos de síndrome antifosfolípide (SAF)? -
Pelo modo com que a doença atua (descrito no tópico acima - "De onde vem a síndrome antifosfolípide?"), a gravidade da SAF varia de pessoa para pessoa. Isso deve-se principalmente aos tipos de anticorpos produzidos (alguns tipos são mais agressivos que outros) e da mobilidade da pessoa (mover-se faz com que os coágulos tenham dificuldade em se formar e crescerem dentro das artérias e veias). Por esta razão, a SAF pode ir desde um risco aumentado de trombose somente quando há imobilidade (por exemplo, após uma grande cirurgia, ou numa viagem longa), passando por problemas somente durante a gestação, até tromboses múltiplas (AVC, infarto, trombose, embolia pulmonar).
Neste sentido, a Síndrome Antifosfolípide pode ser classificada em dois tipos clínicos principais:
SAF trombótica e SAF obstétrica:
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SAF trombótica: é caracterizada por tromboses, como trombose venosa profunda, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC), infarto do miocárdio (infarto do coração, ataque cardíaco).
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SAF obstétrica: é caracterizada pelas complicações da gravidez, como abortos recorrentes, natimorto, pré-eclâmpsia, restrição do crescimento intrauterino e parto prematuro.
É importante destacar que é possível ter os dois tipos simultaneamente.
- Quais são os sintomas de síndrome antifosfolípide (SAF)? -
Os principais sintomas são:
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Tromboses:
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Trombose venosa profunda (trombose na perna)
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Embolia pulmonar
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AVC - o risco de acidente vascular cerebral é 5 a 10 vezes maior em pessoas com SAF em comparação com a população em geral
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Infarto do coração (também conhecido como ataque cardíaco) - o risco de infarto é 3 vezes maior em pessoas com SAF em comparação com a população em geral, sendo piorado se existirem outras doenças associadas a infarto, como diabetes, colesterol elevado, e hipertensão arterial.
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Isquemia intestinal, com dor abdominal rapidamente progressiva, intensa, persistente, com sangramento nas fezes, febre, e mal-estar geral.
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Eventos gestacionais:
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Abortos recorrentes
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Parto prematuro (menos de 34 semanas)
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Sintomas neurológicos: podem incluir, comprometimento cognitivo, convulsões, lesão medular, entre outros.
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Sintomas de pele: incluem livedo racemoso, úlceras, isquemia de dedos (fotos abaixo)
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Alterações sanguíneas: plaquetopenia (plaquetas baixas), anemia hemolítica, e leucopenia (leucócitos baixos).
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Sintomas renais: estenose da artéria renal e microangiopatia trombótica, sendo que este último gera perda progressiva e por vezes irreversível do funcionamento dos rins.
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Sintomas cardíacos: válvula cardíaca com lesão (vegetação), hipertensão pulmonar (pressão sanguínea elevada dentro do pulmão, diferente da pressão alta comum e medido apenas através de exames específicos e não com medidores de braço normais).

Livedo racemoso

Úlcera por SAF

Isquemia de dedos
Quando suspeitar de SAF?

Se você teve algum destes itens abaixo, você deve procurar um reumatologista para avaliar a possibilidade de síndrome antifosfolípide (SAF):
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Trombose da perna, embolia pulmonar ou AVC, ou outro tipo de trombose/embolia, especialmente se você tiver menos de 50 anos de idade e sem ter estado imobilizado por muitos dias (como após uma cirurgia grande, ou uma internação hospitalar prolongada)
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Abortos repetitivos
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Parto prematuro com menos de 34 semanas de idade gestacional, junto de pré-eclampsia grave ou eclampsia
- A síndrome antifosfolípide (SAF) é grave? -
Pessoas com SAF não tratada vivem menos
Estudos mostram que o risco de morte é de aproximadamente 10% em 10 anos sem tratamento.
O risco de tromboses recorrentes é de 25% em 10 anos.
A complicação mais grave da SAF é um acidente vascular cerebral (AVC), que pode ser fatal ou causar incapacidade permanente. A taxa de mortalidade para pessoas com SAF que tiveram um acidente vascular cerebral é estimada em cerca de 20-30%.
Por isso, é muito importante o tratamento adequado, o que envolve uso correto da medicação e acompanhamento rigoroso do exame de sangue que mede o efeito da medicação (Tempo de Protrombina - TAP ou TP).
- Como a síndrome antifosfolípide (SAF) é diagnosticada? -
O diagnóstico de SAF é pela combinação de sintomas da doença (eventos trombóticos e/ou gestacionais - ver acima) e dos anticorpos da doença dosados no sangue.
Algumas informações são importantes: a princípio, a presença isolada dos anticorpos no sangue não é suficiente para o diagnóstico. Da mesma forma, a presença de tromboses ou abortos sem os anticorpos, também não é suficiente.
Porém existem situações de alto risco de trombose, a depender do resultado dos seus anticorpos e de outros fatores de risco (tabagismo, insuficiência cardíaca, entre outros). Neste caso, pode ser necessário tratamento antes mesmo de ter trombose, porém isso deve ser avaliado caso a caso pelo médico reumatologista, especialista no tratamento desta doença.
- Síndrome antifosfolípide (SAF) pode vir junto de outras doenças autoimunes? Qual é a associação mais comum? Pode acontecer isoladamente, sem outras doenças? -
Em metade dos casos, a SAF vem junto de outras doenças autoimunes.
A principal é o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). De fato, até 35% das pessoas com SAF já têm diagnóstica de Lúpus, e aproximadamente 20% dos pacientes com SAF desenvolverão Lúpus em até 9 anos.
- Como é tratada a síndrome antifosfolípide (SAF)? -
O tratamento da SAF é focado na prevenção de coágulos sanguíneos e no controle das complicações associadas a eles. O tratamento para a SAF é a anticoagulação, que envolve o uso de medicamentos para prevenir a formação destes coágulos sanguíneos. São eles:
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Varfarina: anticoagulante em comprimidos. A varfarina requer sempre monitoramento regular do seu efeito por de exames de sangue (pelo TAP ou TP - tempo de ativação de protrombina). O alvo do TAP varia conforme a gravidade do caso, sendo o médico reumatologista quem deve decidir o alvo certo para cada caso.
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Heparina: Este é um medicamento injetável, usada para prevenir coágulos sanguíneos a curto prazo ou durante a gravidez.
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Aspirina, usada isoladamente ou em conjunto com algum dos acima, a depender do caso.
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Outras medicações podem ser usadas eventualmente, como prednisona ou hidroxicloroquina, a critério do reumatologista e de acordo com os eventos que você já apresentou.
- E os novos anticoagulantes orais como a Rivaroxabana, Apixabana, e Dabigatrana, que não precisam ficar fazendo exames de sangue periódicos para dosar no sangue? Podem ser usados?? -
Estes medicamentos trazem o grande benefício de não necessitarem de controle do efeito deles por exames de sangue, bastando seu uso na dose recomendada. Porém o uso na SAF NÃO é recomendada! Estudos mostraram que o uso destes remédios não foi suficientemente eficaz na SAF, ao contrário de tromboses em pacientes sem SAF, onde estes remédios são geralmente eficazes. Seu uso pode deixar a doença sem tratamento correto, gerando risco de novas tromboses ou embolias.
O uso destas novas medicações pode ser feito apenas em casos específicos, conforme avaliação do reumatologista! O tratamento para a síndrome antifosfolípide (SAF) é com Varfarina ou Heparina! Os novos anticoagulantes são a exceção da exceção!
Medicamentos eficazes para a SAF e que não precisem de exames de sangue e de ajustes de dose frequentes ainda não existem.
- Tenho síndrome antifosfolípide (SAF). Posso engravidar? -
Pode, porém é necessário o uso de remédios conforme o tipo de SAF que você tem, precisando ser avaliada pelo reumatologista para isso.
Se anteriormente ocorreram problemas somente na gestação, o uso de AAS é quase sempre feito, podendo ser associado à heparina dependendo da gravidade do que ocorreu previamente.
Lembrando que varfarina não pode ser usada no início da gestação, devendo ser trocada por heparina assim que confirmada a gravidez (ou antes, conforme avaliação do seu reumatologista juntamente com seu obstetra).
IMPORTANTE
A Sndrome Antifosfolípide (SAF) é uma doença potencialmente fatal, podendo causar AVC, embolia pulmonar, infarto cardíaco, infarto intestinal, entre outros. O DIAGNÓSTICO CORRETO, com correta avaliação sobre a gravidade baseada na sua história e no resultado dos exames, e o ACOMPANHAMENTO REGULAR com o REUMATOLOGISTA são ESSENCIAIS para a saúde de quem tem essa doença.
Na dúvida, especialmente se você tiver algum dos itens descritos acima (clique aqui para ver), procure logo um reumatologista.
Referências bibliográficas:
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EULAR recommendations for the management of antiphospholipid syndrome in adults. 2019
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2023 ACR/EULAR antiphospholipid syndrome classification criteria. 2023.
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Garcia, D., & Erkan, D. (2018). Diagnosis and management of the antiphospholipid syndrome. The New England Journal of Medicine, 378(21), 2010–2021. https://doi.org/10.1056/nejmra1705454. 2018
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Clinical manifestations of antiphospholipid syndrome. Doruk Erkan, MD, MPH; Stéphane Zuily, MD, MPH, PhD. https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-of-antiphospholipid-syndrome. Acesso em 20/09/2023
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Management of antiphospholipid syndrome. https://www.uptodate.com/contents/management-of-antiphospholipid-syndrome. Acesso em: 20/09/2023